quinta-feira, 23 de abril de 2009

Letramento: você Pratica?



Cyntia Santuchi Peixoto (FAFIA)
Eliane Bisi da Silva (FAFIA)
Ivan Batista da Silva (FAFIA)
Luciano Dutra Ferreira (FAFIA)




O ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito
abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes
de ler a palavra.
Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo,
depois revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras.

Não é novidade que o Brasil ainda enfrenta insistentemente o problema do analfabetismo, tanto
de crianças que saem da escola e de outros que não tiveram a oportunidade de se apropriarem do saber da leitura e escrita. É fato que o nosso país possui um número significativo de indivíduos que não adquiriram o saber necessário para atender às exigências de uma sociedade letrada.

De acordo com informações (MEC/INEP, 2001) cerca de 980.000 crianças na 4ª série do ensino fundamental não sabem ler, e mais de 1.600 são capazes de ler apenas frases simples. Recentemente, a Rede Globo, através do Programa semanal “Fantástico”, fez uma pesquisa intitulada “Provão do Fantástico” aplicada em 27 capitais brasileiras (somente em escolas
públicas), e avaliou que mais da metade dos alunos não é capaz de responder a questões que requerem raciocínio e 60% só conseguem identificar informações muito simples.
Esses, seriam apenas mais alguns dados para pessoas comuns, mas é algo
extremamente alarmante para o educador.
É neste ponto que entra a grande questão da intervenção do educador e a inclusão da
prática geradora do letramento.

Letramento
onde, como e por que foi criado este termo?


O vocábulo é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais da área da educação e, principalmente, para os acadêmicos desse setor. Há alguns anos, pode-se dizer que menos de
vinte, esse vocábulo surgiu entre os lingüistas e estudiosos da língua portuguesa, e então passou
a ter veiculação no setor educacional.

Constatou-se que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu em no mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística (1986) por Mary A. Kato, segundo Magda Soares (2003: 15).
A mesma registra, nesta obra, que foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa
quanto ao significado da palavra, no dicionário Aurélio, por exemplo, nada foi encontrado, bem
como também, não foi encontrado o verbo “letrar”, porém, o Dicionário Contemporâneo da
Língua Portuguesa de Caldas Aulete, com edição constando de mais de um século, contém o
verbete com o simples significado de “escrita”. Ela ressalta, ainda, que no mesmo dicionário esse vocábulo é classificado como “antiquado”. Ora, logo, este termo caiu em desuso há bastante
tempo em nossa língua. Então, por que este termo tem sido utilizado agora com certa freqüência
nos campos educacionais e lingüísticos?

Devemos esclarecer que esse vocábulo não tem sido usado, atualmente, com a denotação supracitada. O termo se originou de uma versão feita da palavra da língua inglesa “literacy”, com
a representação etimológica de estado, condição, ou qualidade de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente, para ler e escrever.

Nos dicionários da língua portuguesa o termo alfabetizado diz respeito ao indivíduo que somente aprendeu a ler e escrever, não se diz que é o que adquiriu o estado ou condição de quem se
apossou da leitura e da escrita, e que responde de maneira satisfatória as demandas das práticas sociais. Ainda, ampliando a abrangência da alfabetização, podemos analisá-la à medida que esta reproduz a “formação social existente, ou como um conjunto de práticas culturais que promove
a mudança emancipadora” (DONALDO, 1990: 10).

Leda Verdiani Tfouni, em “Letramento e alfabetização” (1995), afirma que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal entendida:

Há duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um processo
de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas diferentes. O mal-entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é que a alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto,
ser descrita sob a forma de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que
o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.

Com isso, fica subentendido, pelo aspecto sociointeracionista, que a alfabetização do individuo,
é algo que nunca será alcançado por completo, não há um ponto final. A realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabetização no educando, no que diz respeito às práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Neste âmbito, muitos estudiosos discutem a necessidade de se transpor os rígidos conceitos estabelecidos sobre a alfabetização, e assim, considerá-la como a relação entre os educandos e o mundo, pois, este está em constante processo de transformação.
E o indivíduo para não ser atropelado e marginalizado pelas mudanças sociais deverá acompanhar, através da atualização individual, o processo que levará ao crescimento e desenvolvimento.
Não que o educando não tenha qualquer saber antes da alfabetização, pelo contrário, sabemos
que todo indivíduo possui, de alguma forma, níveis de conhecimento. E, isto, foi muito bem
discorrido por Paulo Freire:

O ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras.

Esse é um ponto de suma importância para aqueles que pretendem despojar-se dos restritos, e incisivos, conceitos em que a alfabetização é estabelecida em termos mecânicos e funcionais.

Mas, afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?


Por todo o tempo em que já vivemos como uma sociedade grafocêntrica, têm-se conhecimento sobre a problemática da falta do saber ler e escrever. Com isso, gerou-se uma crescente preocupação em desenvolver um controle sobre essa questão, através de muitos estudos e ações com o objetivo de erradicar o problema, logo, foi preciso criar um termo e fazê-lo conhecido no campo da pesquisa, surgindo o “analfabetismo”. Mas, observou-se que para o estado / condição daquele que sabe ler
e escrever, e, que responde de maneira ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e escrita, ainda não havia uma denominação. Mais tarde, isso se fez necessário devido à constatação de uma nova situação: de que não basta apenas o saber ler e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz. Então, o nome letramento surgiu mediante a esta nova constatação.

Quando fatos “novos” são constatados, ou surgem novas idéias à respeito de fenômenos, depara-se com a necessidade de se criar novos vocábulos ou nomes para se tratar com determinados assuntos (SOARES, 2003). Ou seja, freqüentes mudanças sociais geram novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita, logo, gerando novos termos específicos.

O letramento é um fenômeno de cunho social, e salienta as características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se “apoderado” de um sistema de grafia.

Letramento e alfabetização
- onde está a diferença?


A alfabetização, como já mencionamos, se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo. Enquanto o letramento “focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1995), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Um exemplo do que acabamos de mencionar (SOARES, 2003: 56-57):

Analfabetismo no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveis
de ‘analfabetismo’ em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino fundamental
(que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoas
que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego - os
níveis de letramento é que são baixos.

O exemplo acima são verificações feitas fora do Brasil, mas demonstra claramente as diferenças entre os dois processos acima citados, inclusive, as diferenças que há em avaliar níveis de letramento e níveis de alfabetização. Apesar da constatação de que os critérios de avaliação deles não se assemelham muito aos nossos quanto à alfabetização, é satisfatório saber também, que já existem mudanças consideráveis em nossos parâmetros, e, o que se observa é que isso tem gerado mudanças sociais e culturais, e por que não dizer, históricas?

Ainda quanto às diferenças entre letramento e alfabetização é necessário alertar que, estes dois processos estão diretamente ligados, contudo, devemos separá-los quanto ao seu abarcamento, devido as suas distinções já mencionadas anteriormente. Há verificações de que a concepção de alfabetização também reflete diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que também se observa é que, com freqüência, estes dois de maneira confusa têm sido fundidos como um só processo. Essa confusão implica no exercício de um e de outro. Pois, onde entra a alfabetização?
E o letramento? Ou, se trabalham os dois simultaneamente?

Se afirmamos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então dizemos que ela tem
um continuum, e ainda, poderíamos dizer que este é o letramento. Com isto, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma ordem, ou seqüência, pois já defendemos que todo tipo de indivíduo possui algum grau de letramento, mesmo que seja mínimo.
O que pretendemos é incentivar o educador a fazer uso do conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim ele poderá alfabetizar letrando.

Ao saber de algumas distinções básicas destes dois termos poderíamos, também, levantar questões sobre as desigualdades de alfabetizado para letrado. Uma nota no livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares (2003: 47) faz um apanhado, sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto exemplifica como um adulto pode até ser analfabeto, contudo, pode ser letrado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever, todavia, utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades.

Ele demonstra com isso que conhece, de alguma forma, as estruturas e funções da escrita.
O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele: seja uma notícia em um jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este indivíduo é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma sociedade que é atravessada pela escrita, logo, este é letrado, porém não com plenitude.

Esse exemplo nos remete a outro, muito conhecido, que talvez não tenha sido percebido por quem assistiu, é a personagem de Fernanda Montenegro no filme “Central do Brasil” de Walter Salles, que fez uso de sua capacidade de ler e escrever uma profissão, a de “escriba”, já quase desconhecida, em que a personagem escrevia correspondências para pessoas analfabetas em
troca de dinheiro. Os indivíduos que a usavam como ferramenta para se envolver em uma prática social, a de se corresponder, mesmo que indiretamente, utilizavam os códigos da escrita.
E, de forma peculiar a sua condição eles demonstram possuir características de grupos letrados.

Ainda na nota de Magda Soares (2003: 47) eles também exemplificam o caso de uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada.
E ainda, há casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que
apresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes, são capazes de ler
e escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não lêem revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete. Todavia, gostaríamos de destacar que nessa nota acima mencionada diz também que esse tipo de indivíduo pode ser uma pessoa alfabetizada, mas não é letrada; neste ponto divergimos, por acreditarmos que a possibilidade
de uma pessoa possuir grau zero de letramento não exista, em se tratando deste viver em uma sociedade grafocêntrica.

Com tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e níveis de letramento,
e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no
seu meio social.

Sociedade letrada/iletrada
- indivíduo letrado/iletrado


Há uma definição única e restrita quanto ao conceito de sociedade letrada/iletrada, bem como indivíduo letrado/iletrado?

Os dicionários da língua portuguesa definem os vocábulos letrado e iletrado, por exemplo, no dicionário Aurélio o verbete letrado é definido como “que ou quem é versado em letras; erudito”.
No entanto, iletrado “que ou quem não tem conhecimentos literários; analfabeto ou quase”. Mediante essas definições percebemos que esses adjetivos não tem relação com o sentido do letramento, pelo qual estamos tratando. Os termos que, normalmente, são abordados em
trabalhos sobre o letramento não se assemelham ao dos dicionários, e ainda, também
poderíamos considerá-los como novos vocábulos.

Vimos, anteriormente, que devemos analisar bem antes de aplicar o termo letrado, e
principalmente, iletrado. No nosso ponto de vista, que necessariamente, é o mesmo da autora,
do livro “Letramento e Alfabetização”, de Leda Verdiani Tfouni, o termo “iletrado”, bem como “iletramento” é impraticável, no que diz respeito à sociedades tecnologizadas.

Ela registra em sua obra algumas passagens de Ginszburg (1987), dentre elas a história de um homem que viveu no séc. XVI chamado Menocchio que foi perseguido, torturado, e condenado
à morte porque suas idéias foram consideradas ofensivas e cheias de heresias. Ele pertencia à
classe subalterna, mas sabia ler e escrever, o que não era muito comum naquela época.

Comenta a autora que Menochio não foi condenado apenas por saber ler e escrever, mas sim, porque fazia suas próprias interpretações dos textos bíblicos e da religião, como também particularizou a releitura dos mesmos textos com “materialismo elementar, instintivo, das gerações de camponeses”, foi isto o que fomentou uma sumária perseguição por parte da Inquisição.

Achavam eles que, só os eclesiásticos católicos detinham o poder de interpretação da Bíblia Sagrada. Ele, assim, foi considerado perigoso por que entendeu que quem tivesse a capacidade
de domínio e transmissão da cultura escrita teria o poder. A lingüista comenta que essa história demonstra como o termo “letrado” não pode ter um sentido único.

A partir disso, é que a autora conclui e propõe que não deve ser usado o termo “iletrado”, para
dizer que um indivíduo não está num estado pleno de letramento. Afinal, não seria adequado a utilização do mesmo em uma sociedade considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, pois a possibilidade de existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de letramento é quase impossível. Por isso, acredita-se que é inconveniente afirmar que existe
“nível zero” de letramento, não há veracidade nessa afirmação. Então, o que se propõe é o uso
de termos próprios, do tipo: níveis ou graus de letramento. Levando assim, em consideração o que Paulo Freire muitas vezes insistiu em sua pedagogia “de que a leitura do mundo precede a leitura
da palavra”, e ainda, “o ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir de uma
compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes
de ler a palavra”. Isso quer dizer que o indivíduo não é um depósito vazio e zerado antes da alfabetização, e ali, nós, educadores, estaremos enchendo-o com informações mecânicas e institucionais, através de uma escolarização. Ele já possui sua peculiar capacidade de leitura
dentro do seu contexto social para sobreviver em meio ao grupo em que vive. A alfabetização
com a prática do letramento, trará ao indivíduo capacidades, competências, habilidades diversas
para que este se envolva com as variadas demandas sociais de leitura e escrita.

O papel do educador no letramento
como “professor-letrador”


Paulo Freire afirma que para o educador, o ato de aprender “é construir, reconstruir, constatar
para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. Esta constatação
não está relacionada somente ao educando, pois sabemos que o educador tem que estar sempre adquirindo novos aprendizados, lançando-se a novos saberes, e isto, resulta em mudanças de
vários aspectos, como também, gera o enriquecimento tanto para o educador quanto para o educando, que com certeza lucrará com esse desenvolvimento. Então, necessário é que o educador atente-se para aquilo que é sumariamente importante na sua formação, ou seja, “o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”, e, “quanto mais inquieta for uma pedagogia, mais crítica ela se tornará” (FREIRE, 1990). O mesmo afirma que a pedagogia se tornará crítica
se for investigativa e menos certa de certezas, pois o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos, nem transmissão de idéias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição no “processo de humanização”.

Processo este de fundamental papel no exercício de educador que acredita na construção de
saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instrumento de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus
próprios conceitos e conhecimento.

O profissional de educação deve ser capaz de fazer sua interferência na realidade, o que
certamente, gerará novos conhecimentos, e isto, é bem mais elevado do que simplesmente se enquadrar na mesma. Já mencionamos por várias vezes que o letramento é um fenômeno social; logo, essa intervenção que se faz necessária pode ser proporcionada por ele.

O letramento não está restrito ao sistema escolar, mas vamos neste trabalho nos ater nesse meio por considerar que cabe à escola, fundamentalmente, levar os seus educandos a um processo mais profundo nas práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Saber ler e escrever um montante de palavras não é o bastante para capacitar o indivíduo para a leitura diversificada, neste ponto entendemos que surge a necessidade de se letrar os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem.

Para o educador se tornar um “professor-letrador” necessário se faz que, primeiramente, obtenha informações a respeito do tema, as suas dimensões e, sobretudo, a sua aplicação. Essa última é desenvolvida através de pesquisas e investigação, que geram subsídios-suportes.

Entretanto, medrar subsídios para educadores é uma tarefa difícil de ser exercida, pois sabemos
que alguns desses profissionais, num determinado momento, se colocam em uma posição quase inatingível, completos de suas certezas. Porém, se há mutações contínuas na sociedade contemporânea, e essas refletem em todos os setores, inclusive na escola, é lógico que a cristalização dos saberes do educador é um equívoco, pois o conhecimento nunca se completa,
ou se finda, e o letramento é um exemplo claro disso.

Reconhecidamente, enfatizamos a importância da aplicação, ou a prática do letramento por parte
do professor, e em análise, ainda não finalizada, destacamos alguns passos fundamentais para o desempenho do papel do “professor-letrador”:

1) investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala
de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;

2) planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno
poderá utilizá-la;

3) desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros
de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade;

4) incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam;

5) recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo que o
educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo,
esse conhecimento;

6) não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos e
linguagens diferentes;

7) avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo;

8) trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a auto-estima e a alegria de
conviver e cooperar;

9) ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor-aprendiz
tanto quanto os seus educandos; e

10) reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização.


Contudo, as insuficiências do sistema escolar na formação de indivíduos absolutamente letrados
não sucedem somente pelo fato de o “professor não ser um representante pleno da cultura letrada, nem das falhas num currículo que não instrumentaliza o professor para o ensino”
(KLEIMAN, 1995: 47), pois essas falhas são mais enraizadas, porque são produtos do
modelo imposto pelo sistema padrão de ensino.

Quando nos dermos conta de que o processo natural de desenvolvimento do ser humano é massacrado pela escola, e por suas equivocadas práticas de ensino, seremos aptos a promover
o letramento.

Na intenção de compreender os caminhos percorridos (ou perdidos) para a transformação da escolarização, e analisando especificamente o recorte investigado neste trabalho, somos levados
a considerar a hipótese de que o despreparo e desinformação dos profissionais e, ainda, os acadêmicos da área de educação promovem a distância entre a assimilação prática e
conceitual do letramento.

De qualquer forma, o que nos interessa no âmbito a que nos propusemos neste trabalho, é de informar descritivamente sobre o letramento quanto a etimologia, o seu surgimento e as suas diversificadas práticas sociais. Como também o seu abarcamento, suas dimensões e o mais intrigante, como estar desenvolvendo-o na sala de aula, pois o preparo dos educadores proporcionará alterações no ensino / aprendizagem dos educandos e desenvolverá o letramento
de ambos os envolvidos. De certo, sabemos que o processo é lento devido a situação atual do sistema escolar e da formação profissional do professor, mas reais possibilidades têm-se
mostrado como verdadeiras mudanças educacionais.

Subsidiar seria uma pretensão, mas este trabalho visa dar um suporte para os educadores que desejam reconstruir suas propostas pedagógicas, informando-se para gerar conhecimento crítico
e analítico quanto às atividades do letramento versus a pedagogia mecânica e institucional por
tanto tempo praticada em nossas escolas. Pretende ainda, reformular e construir a compreensão acerca das bases teóricas da aprendizagem. Possibilitar a esses uma reflexão sobre a visão de mundo e de alfabetização, para que incorporem uma nova educação para crianças, jovens e adultos. Com isso, gerarão pessoas com capacidades múltiplas de interação com a sociedade, promovendo novas formas de relações no processo do letramento, pois esse abre caminho para o indivíduo estabelecer conhecimentos do mundo em que vive.



REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo; DONALDO, Macedo. Alfabetização: leitura da palavra leitura do mundo. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1990.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1999.

KLEIMAN, Ângela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.
Campinas: Mercado de Letras, 1995.

SILVA, José Pereira da. Filologia é o estudo da língua na literatura. A visão de J. Mattoso Câmara Jr. In:
América Latina y lo Clásico. Santiago de Chile: Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación -
Facultad de Historia, Geografía y Letras, 2003, tomo II, p. 619-629.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2ªed. 6ª reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.


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